Analepse Tropicália: “Baby” e a Cultura do Consumidor

This is the second in a series of posts on Tropicália and the Brazilian counterculture under the dictatorship, based on my study with Dr. Talia Guzman-Gonzalez at the University of Maryland, who has kindly helped me to edit my Portuguese writing.


Essa série, que tem sido tão divertida pra eu escrever, continua hoje com uma das músicas mais conhecidas e bonitas do cânone tropicalista. A música Baby apareceu no famoso álbum tropicalista Tropicália, ou Panis et Circensis, lançado em 1968. É uma das minhas preferidas, devido à voz deslumbrante de Gal e ao arranjamento exuberante de Rogério Duprat, arranjador que fez a orquestração para muitos dos álbuns tropicalistas.

Escrita por Caetano Veloso e cantada por Gal Costa, Baby é uma meditação sonhadora sobre a cultura pop e a cultura de consumo no fim dos anos 60.

Ela começa com uma lista dos bens dos que você “precisa” — aquelas coisas sem as quais sua vida não está completa, se você quiser participar na cultura de massa da sociedade moderna:

Você precisa saber da piscina
Da margarina, da Carolina, da gasolina
Você precisa saber de mim
Baby, baby, eu sei que é assim
Baby, baby, eu sei que é assim

Um dos meus alvos nessa série de postes é produzir traduções das letras de qualidade superior às quais já estão disponíveis no web. Mas não tenho dúvidas ao respeito a como traduzir Você precisa saber aqui. Sempre imagino essa frase como se fosse falada por um locutor de rádio numa propaganda, exaltando as virtudes dos produtos de modernidade.

You need to know all about swimming pools
About margarine, Carolina [a popular Chico Buarque song], gasoline
You need to get to know me
Baby, baby, I know how it is

Ela continua a mesma tema na próxima estrophe:

Você precisa tomar um sorvete
Na lanchonete, andar com a gente, me ver de perto
Ouvir aquela canção do Roberto
Baby, baby, há quanto tempo
Baby, baby, há quanto tempo

Você precisa aprender inglês
Precisa aprender o que eu sei
E o que eu não sei mais
E o que eu não sei mais

You need to get some ice cream
At the lanchonete; walk with us, see me up close
Hear that Roberto [Carlos] song
Baby, baby, it’s been so long

You need to learn English
Need to learn what I know
And what I no longer know
And what I no longer know

Repare que isso não é apenas uma lista dos objetos materiais que se deve comprar para participar na cultura do consumidor — há também as coisas imateriais que são obrigatórias para a participação na nova cultura da massa. É necessário escutar os músicos de moda (Chico Buarque e Roberto Carlos), falar inglês (símbolo daquela cultura e marca da classe média), e possuir um carro. A cultura certa deve ser consumida tanto como os bens materiais certos.

Entre os objetos imateriais é o amor. Baby é cheia de declarações de amor — mas são sinceras, ou são declarações irônicas sobre a comodificação do amor como mais um “bem” que se pode comprar e vender? Será que Caetano estava respondendo numa forma irônica aos Beatles, que declararam só no ano anterior que a única coisa do que você precisa é o amor?

Não sei comigo vai tudo azul
Contigo vai tudo em paz
Vivemos na melhor cidade
Da América do Sul, da América do Sul
Você precisa, você precisa, você precisa
Não sei, leia na minha camisa

I dunno, everything’s cool with me
Everything’s peaceful with you
We live in the greatest city
In South America, in South America
You need, you need, you need
I dunno, just read it on my t-shirt

A frase Você precisa é repetida como mantra da época de comercialismo. A implicação é que tudo estará bom, se pelo menos você anda adquirindo bens materiais. A música é inundada pelas melódias doces das cordas, que justamente com o ritmo descontraido em 6/8, criam uma atmosfera sonhadora, e provocam o ouvinte a um delírio no qual ela consegue afogar as preocupações, fingindo que aqui no Rio, cidade maravilhosa, está tudo beleza. Consumo como droga. Ou seja, uma forma de panis et circenses que apaguiza e distrai as massas, eles que estão occupados em nascer, morrer — e consumir. Mas tudo isso é só uma fantasia, pois sabemos que nas ruas do Rio de verdade não está tudo beleza.

Baby, baby, I love you
Baby, baby, I love you

No fim da música, Gal e Caetano se unem num dueto em qual repetem essas quatro  palavras em inglês — a língua importada da cultura de massa, a língua do rock n’ roll, a língua da propaganda. São as palavras mais simples, mais reconhecíveis, mais típicas da música anglófona. Quatro palavras, reduzidas a um simples palavrão de órdem numa camiseta.

Então, falado tudo isso, como interpretamos a atitude de “Baby” com respeito à cultura de consumo e a cultura de massa no Brasil naquela época? É que a peça inteira é simplesmente uma paródia sarcástica do consumerismo? Ou tem aspectos sinceros também?

Assim como tantas músicas tropicalistas, existe uma dialética aqui. Baby é no mesmo tempo uma rejeição e um abraço dessas culturas. A cultura pop podia ficar sim uma fuga (agradável mas ilusória) da realidade de vida sob a ditadura, mas também é claro que ela é uma forma genuína de expressão artística e política, uma das poucas disponíveis aos brasileiros no fim dos anos 60.

Acho que a música alcança seu poder pela mistura inesperada de sinceridade (na letra) e alienação (na própria música). Na superfície, a letra da Baby fala de um desejo sincero de fugir por meio de consumo. Não tem nada de ironia naquele dueto lindo entre Gal e Caetano no fim. Mas escutando atentamente, percebemos um aspecto sinisto nessa inocência, algum senso de alienação da sociedade moderna. Talvez a orquestração, com todas aquelas cordas sentimentais, é pouco doce e sedutora demais.

Alias, é possível que o significado da música já tenha mudado ao longo dos anos. Se originalmente a música tratou do consumerismo de uma forma crítica, hoje em dia, sempre que Gal canta Baby ao vivo, canta com um certo senso de nostalgia. A galera canta com ela, conhecendo bem as palavras. As audiências cariocas se alegram quando ela canta do melhor cidade da America do Sul (veja abaixo). Talvez o senso de alienação já ficou perdido — mas Baby continua como standard querido.

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15 Responses to Analepse Tropicália: “Baby” e a Cultura do Consumidor

  1. Mike says:

    Hello, I just found your site and I’m very anxious to start exploring your posts! I’ve been studying português, on and off, for 5 years but my progress has been slow.

    Believe it or not, I just started reading “Tropical Truth” last week! I am a part-time musician and listen to a lot of Brazilian music. I love the the tropicalistas. Tom Zé and Gal Costa especially. (Have you heard Chico Science & Naçao Zumbi ?).

    Your blog looks wonderful and it will help me kick my language learning back into high gear.

    Thanks, Mike – Milwaukee, WI

    Also: have you seen “Fabricando Tom Zé” DVD. It’s now available on Netflix.

    • Lauren says:

      Hi Mike, I don’t know too much about Tom Zé – yet! – but I’m excited about diving in to his work later on. Is there a particular album you recommend?

      Thanks for your nice comment – I wish you the best in getting back into a língua maravilhosa!

  2. Mike says:

    Hi Lauren, The Tom Zé catalog is pretty extensive and I’m still exploring. I think a good starting point is “Fabrication Defect” (com defeito de fabricaçao). I first heard TZ on the “Tropicália” CD from Soul Jazz Records.

  3. Mariana says:

    Ei Lauren, moro no Brasil e estava procurando sobre o Tropicalismo e achei seu blog, vim te parabenizar pelo excelente trabalho, fico realmente feliz por saber que esses cantores são reconhecidos fora do Brasil e que gente como você está disseminando nossa cultura.

  4. ale says:

    Não entendi, não sabia que foi Caetano que escreveu a música e que a Gal Costa era uma vocalista do Mutantes.

  5. Fabio says:

    Congratulations, amazing work! Im brazilian, i would recomend the album Estudando o Samba from Tom Ze. I like Construção from Chico Buarque too.

  6. Gerardo says:

    Ever thought this song was written to celebrate Baby Consuelo.

  7. Daniel says:

    Muito boa análise, mas não abordou uma questão muito relevante da música que é a crítica à americanização do Brasil nesse período, tanto na cultura quanto na economia. As frases em inglês e o trecho “você precisa aprender inglês” são claras quanto a isso. No entanto, deve-se salientar que os tropicalistas não eram contra o estrangeirismo na cultura, mas defendiam o “antropofagismo”, ou seja, a assimilação das influências estrangeiras misturada com os ” brasileirismos”. Combatiam tanto a ideia de que a música brasileira não podia sofrer influências das culturas dominantes mundiais quanto a total imitação dos gêneros e das técnicas estrangeiras, como o pop.

    Outro detalhe não tão relevante, mas interessante, é a expressão “me ver de perto”, que era um código para fumar maconha, devido a fonética “ver de” = verde.

    • Felipe Chala says:

      Minha impressão, seguindo a direção do texto do colega Lauren, menos uma crítica direta e reta, e mais a exposição de uma tensão: a americanização é ruim e boa. A alienação pelo consumo e por fazer cosplay de gringo é ruim, e ao mesmo tempo é algo que o próprio tropicalismo fazia, quando Os Mutantes fizeram comercial pra Shell, quando Caetano tinha programa na TV, quando saiu Alegria, Alegria, cheia de elementos norte-americanos não irônicos, devidamente situados, quando Caetano e Nara Leão estranharam a Marcha contra a Guitarra Elétrica organizada pela Record. O interessante da Tropicália é essa confusão mesmo: em alguma medida, universal e genérico como o pop tem que ser, e, de algum jeito, regional e autêntico como a se queria a MPB.
      Muito bacana trocar ideia sobre isso, que blog massa!

  8. Tony says:

    Mais um detalhe importantíssimo é o tratamento da liberdade sexual, tratada com um certa sutileza na Expressão “leia na minha camisa”. Hoje parece um frase solta, mas devemos lembrar que é a década da liberdade de “amar”, após a descoberta da pílula. Assim como “ver de perto”, a estrofe terminando com leia na minha camisa pronunciada por uma mulher era um convite a prática amorosa sem culpa, pelo simples prazer.

  9. Julie Swiss says:

    I’d like to clarify a few points as a Brazilian who lived those times, knows Caetano personally and has some details to add about the lyrics.
    Baby was composed for Maria Betânia, his sister, the one closest to him who had been away and was very much missed. It’s just an array of banal daily stuff they could be doing together but were unable to. It’s a song of longing for her sisterly love and presence. That’s all. The protest songs were of remarkably stronger, direct lyrics.

  10. Juliana says:

    E se, além de tudo isso, o desinteresse de “baby” pelas coisas do momento for uma depressão?

  11. Vanessa Costa says:

    Sensacional sua análise. Após a partida de Gal, Baby certamente virará de uma vez por todas uma canção nostálgica e esqueceremos definitivamente todo o mal estar decseus questionamentos…

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